domingo, 23 de setembro de 2012

CONTOS CONTEMPORÂNEOS - UFRN 2013


A obra apresenta uma seleção de contos de importantes autores brasileiros do século XX, surgidos depois da chamada fase histórica  do Modernismo (1922-1945). Dos escritores escolhidos, alguns se destacam sobretudo ou exclusivamente como contistas, como Dalton Trevisan, João Antônio, Luiz Vilela, Marina Colasanti, Murilo Rubião, Ricardo Ramos. Os

demais, além de contos, têm uma importante produção na área do romance. Os contos desta coletânea apresentam  histórias do nosso tempo. Focalizam relações familiares, desnudam conflitos sociais  e psicológicos, mergulham no interior do ser  humano, revelam o absurdo da vida, introduzem o fantástico no cotidiano. Mestres na arte de condensar em poucas  páginas uma situação interessante ou um  drama humano, os contistas aqui reunidos  conduzem o leitor pelas veredas da literatura, mostrando-lhe diferentes formas de representação artística da vida.

AUTORES E CONTOS
 
1 – Clarice Lispector (1920-1977) De origem judaica, terceira filha de Pinkouss e de Mania Lispector. A família de Clarice sofreu a perseguição aos judeus, durante a Guerra Civil Russa de 1918-1921. Seu nascimento ocorreu em Chechelnyk, enquanto percorriam várias aldeias da Ucrânia, antes da viagem de imigração ao continente americano. Chegou no Brasil quando tinha dois meses de idade. Sempre quando questionada de sua nacionalidade, Clarice afirmava não ter nenhuma ligação com a Ucrânia, “Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo”, e que sua verdadeira pátria era o Brasil. A fama de Clarice Lispector se refletiu através da maestria de revelar as transformações dos sujeitos de modo profundo, denso, transcendente, epifânico. Suas obras colocam à mostra os grandes conflitos do ser humano, explorando com muita sutileza as regiões mais profundas e inexprimíveis da alma, aliando razão e sensibilidade por meio de uma linguagem extremamente poética. Clarice tenta desvendar o mundo, em sua literatura, através do olhar voltado para si mesma- descobrindo-se para descobrir “o outro”. Durante sua vida Clarice teve diversos amigos de destaque como Fernando Sabino, Lúcio Cardoso, Rubem Braga, San Tiago Dantas e Samuel Wainer, entre diversos outros literários e personalidades.

 Feliz Aniversário


Postada à cabeceira da mesa, a senhora, que completa 89 anos, assiste a chegada de seus filhos e noras. Um a um vão sentando-se ao redor da mesa para a comemoração. A velha senhora, ressentida com a fraqueza de seus filhos, reflete na razão pela qual “os frutos foram tão diferentes árvore que os engendrou”. O único que lhe dá prazer é Rodrigo, neto de sete anos, de rosto viril e corajoso. Depois de cantarem “Feliz Aniversário”, aumenta a indignação da aniversariante, que cospe ao lado da mesa, afrontando a todos, depois do que pede um copo de vinho, servido com ressalvas pela nora Dorothy: “Vovozinha, não vai lhe fazer mal?” - “Que vovozinha que nada! Que o diabo vos carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas! Explode a aniversariante.” À hora das despedidas, a nora mais nova, Cordélia, olha uma última vez para a sogra, sentada à cabeceira: “o punho mudo e severo, fechado sobre a mesa, dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez pela última vez: É preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é curta.” Superado o momento das despedidas, resta a velha, “erecta, definitiva”, à cabeceira da mesa. “A morte era seu mistério”. O caráter epifânico é uma das marcas registradas de Clarice Lispector. Em todos os seus relatos, os personagens vivenciam experiências que os despertam para determinadas verdades como que encobertas por um véu de mediocridade. A situação vivenciada por Dorothy em uma fração de segundo teve esse caráter. A atitude após a descoberta é que permanece uma incógnita. Desvendando toda a hipocrisia que permeia as relações familiares, a autora também põe em relevo a situação na qual se encontra a aniversariante. Praticamente abandonada por todos os filhos, que reúnem-se em sua casa a cada aniversário, vivendo com Zilda, a filha solteira, espera a morte, inconformada com este tratamento.

Narrador: 3° pessoa, onisciente.
Tempo: Cronológico
Espaço: Apartamento de Zilda, filha da aniversariante.


2 -
Dalton Trevisan (1925 - ) Dalton Trevisan nasceu em Curitiba PR, em 14 de junho de 1925. Formado pela Faculdade de Direito do Paraná, liderou em Curitiba o grupo literário que publicou, em 1946, a revista Joaquim (em homenagem a todos os Joaquins do Brasil). A publicação, que circulou até dezembro de 1948, continha o material de seus primeiros livros de ficção, entre os quais Sonata ao luar (1945) e Sete anos de pastor (1948). Em 1954, publicou Guia histórico de Curitiba, Crônicas da província de Curitiba, O dia de Marcos e Os domingos ou Ao armazém do Lucas, edições populares à maneira dos folhetos de feira. A partir da gente de sua cidade, chegou a uma galeria de personagens e situações de significado universal, em que as tramas psicológicas e os costumes são agudamente recriados por meio de uma linguagem precisa e de sabor genuinamente popular, que valoriza os mínimos incidentes de um dia-a-dia sofrido e angustioso. Publicou também Novelas nada exemplares (1959), Morte na praça (1964), Cemitério de elefantes (1964) e O vampiro de Curitiba (1965). Isolado dos meios intelectuais, Trevisan obteve, sob pseudônimo, o primeiro lugar do I Concurso Nacional de Contos do estado do Paraná, em 1968. Escreveu depois A guerra conjugal (1969), Crimes da paixão (1978) e Lincha tarado (1980). Em 1994, publicou Ah é?, obra-prima de seu estilo minimalista. Além de escrever, Trevisan exerce a advocacia e é proprietário de uma fábrica de vidros. As histórias de Dalton Trevisan, um dos melhores contistas brasileiros contemporâneos, reproduzem um cotidiano angustioso numa linguagem direta e popular.

 Clínica de Repouso

 Maria mora com a mãe, dona Candinha, que começa a implicar com a presença de um hóspede: João. Ao descobrir os dois aos beijos no sofá, e sendo informada que João é noivo da filha, pressiona a filha para mandá-lo embora. Assustado com a situação, João vai-se embora, e as brigas entre mãe e filha põem dona Candinha doente. Sob os cuidados da filha, sente-se bem, mas continua de cama, gostando do tratamento que está recebendo.
Com o passar dos dias, Maria decide internar a mãe no Asilo Nossa Sra. da Luz, entre doidos, epiléticos e alcoólatras, no qual um sistema de alto-falantes (o dr. Alô) ameaça com choques e injeções na espinha a quem reclamar. “D. Candinha sustentava-se a chá de mate e biscoito duro”. Ressentida com o tratamento que a filha que criara lhe devota, a velha, internada no asilo, vê os dias passarem tratando uma mosca grande que, afeiçoada a ela, vem alimentar-se sobre sua mão. Daton Trevisan consegue captar o poético a partir de textos extremamente objetivos. Dona Candinha, abandonada pela filha, encontra consolo em uma última companheira: a mosca. É importante perceber que a atmosfera construída pelo autor resgata o lirismo a partir de um final absolutamente insólito.
Estética: Texto escrito em prosa, de frases curtas, e marcado pela fala dos personagens. É uma narração simples e com palavras bastantes regionais, como ‘’broinha de fubá mimoso’’ ou ‘’melindrosa’’.

Elementos Narrativos:

Narrador:  Narrador observador, não estando presente no conto.
Tempo: O tempo é curto e, por ser formado basicamente por pequenas falas, o conto dá a idéia de uma sequência rápida dos acontecimentos, o que acarreta o leitor estar sempre ligado nos acontecimentos da narrativa.
Espaço: A historia acontece primeiramente na casa de Dona Candinha mas logo depois se passa em seu quarto e termina na clinica de repouso ou asilo, no qual a senhora ficou internada.
Personagens: Dona Candinha, sua filha Maria e o noivo de Maria, João.

 
3 - Ignácio de Loyola Brandão (1936 - ) Brandão nasceu em Araraquara, SP, em 1936. Livros de contos publicados: Depois do sol, Brasiliense, 1965; Pega ele, Silêncio, Símbolo, 1976; Cadeiras proibidas, Símbolo, 1976; Cabeças de segunda-feira, Codecri, 1983; O homem do furo na mão, Ática, 1987; O homem que odiava segunda-feira, Global, 1999. Romances: Bebel que a cidade comeu, Brasiliense, 1968; Zero, Brasília/Rio, 1975; Dentes ao sol, Brasília/Rio, 1976; Não verás país nenhum, Codecri, 1981; O beijo não vem da boca, Global, 1985; O ganhador, Global, 1987; O anjo do adeus, Global, 1995. Suas obras estão traduzidas para diversos idiomas, como alemão, coreano, espanhol, húngaro, inglês e italiano. Algumas foram adaptadas para o teatro e o cinema.

“O grande enfoque da obra de Loyola está representado pelo confinamento do homem na cidade.”O autor, criador corajoso de estruturas não-convencionais, aborda o tema de vária formas diferentes, em seu estilo direto de jornalista atento ao seu tempo.

Os Músculos

Em uma manhã de domingo, ao passar o rastelo pelo terreno reduzido de sua horta de 4 metros quadrados, Danilo depara com um arame de fio de aço inoxidável entranhado na terra. Surpreso, escava e não encontra a origem da estranha “planta”. Aos poucos o arame cresce e toma conta de toda a horta, e a plantação de arame produz o suficiente para cercar casas, cidades e o país. Acossado por acusações de vizinhos, perseguido por processos movidos por grandes casas do ramo, que o acusam de não recolher impostos pela produção de arame, que continua a crescer em seu quintal, o homem abre uma brecha por entre a floresta de arame buscando refúgio. Ninguém teria coragem de penetrar ali para buscá-lo, e ele se dá conta que os reflexos do sol reluzindo sobre os fios de arame formam desenhos inusitados; o vento soprando, produz sons agradáveis, agradáveis o suficiente para embalá-lo. Sob o jugo da vida na cidade, os personagens das obras de Inácio de Loyola Brandão sujeitam-se ao isolamento que esta vida lhes impõem. Entretanto, no auge do desespero, surge uma saída: adentrar à “floresta de arame”, e tentar discernir o belo mesmo naquelas condições. Apercebendo-se dos desenhos e da música que o sol e o vento produzem, o personagem também encontra um refúgio para a vida opressiva que lhe é imposta.

Narrador: 3ª pessoa
Tempo: cronológico
Personagem: Danilo - trava uma árdua luta contra os “arames” que crescem inexplicavelmente em seu quintal.Acaba dando-se por vencido.

 
4 – João Antônio ( 1937 – 1996) Além de jornalista, é considerado um intérprete do submundo e um bom malandro da escrita e da literatura. Sua linguagem rápida, suas frases curtas, lhe deram o título de criação do conto reportagem. Suas obras retratam pessoas marginalizadas, o proletariado, prostitutas e as figuras da periferia das grandes metrópoles.

Guardador

Jacarandá tenta ganhar a vida como guardador de carros. Mora (ou se esconde) no oco do tronco de uma árvore. Às vezes, bebendo, começa a pensar sobre os tipos de pessoas que dão esmola. São três: o primeiro - uns poucos - dá por entender o “misere”; o segundo, para ver-se livre do pedinte; o terceiro tipo, “otários de classe média”, dá esmola para não parecer “duro” - “Para eles, não ter cai mal”. Domingo, saída de missa , ele pensa nos dois tipos de piedade: o de dentro e o de fora da igreja; “por quê resistem ao pagamento da gorjeta?”. Volta e meia Jacarandá é preso. Umas duas semanas de cadeia, desintoxicado, volta ao trabalho. Agora é outro. Movimentos rápidos, o corpo magro, lembra o corpo do jovem passista que ele foi.. Mas não passa-se uma semana e ele volta à cachaça. Certa noite, “um bacana enternado, banhado de novo” lhe estende uma moeda. Altaneiro no seu porre, Jacarandá recusa: “trabalho com dinheiro; com esse produto não, doutor.” O carro sai cantando pneus, “Xará, eu ganho mais que ele. É que não saio do botequim”. Dedicando-se ao submundo daqueles que não têm nenhuma perspectiva, João Antônio desvenda a personalidade de uma figura deste ambiente. Jacarandá, o bêbado guardador de carros, consegue perceber as razões pelas quais os que lhe dão gorjetas o fazem. Não há espaço para ilusões neste mundo, mas o personagem principal encontra uma maneira de rebelar-se: o tratamento que dirige ao motorista nos sugere um homem que, mesmo em situação crítica, procura manter a dignidade.
Há que se perceber também o trabalho de linguagem. A gíria do guardador é utilizada ao longo do texto, em expressões como “uca, pé-de-cana, muquiras, chué”, que sugerem uma distância intransponível entre o guardador e aqueles a quem cobra seus serviços.
Narrador: 3ª pessoa
Tempo: cronológico
Personagem: Jacarandá, o bêbado guardador de carros.

 5 - Lygia Fagundes Telles (1923 - ) é uma romancista, contista brasileira, grande representante do modernismo. Suas obras mais conhecidas são "Ciranda de Pedra", Antes do Baile Verde", "As Meninas", e muitos contos, entre eles, "A formiga" e "Venha ver o  pôr-do-sol". O estilo de Lygia Fagundes Telles é caracterizado por representar o universo urbano e por explorar de forma intimista o Realismo Fantástico.

A Caçada

Em uma loja de antiguidades, um homem encontra uma grande tapeçaria, suspensa sobre a parede. Admirado, tenta lembrar-se de onde, ou em que tempo, já havia assistido àquela cena: um caçador de arco retesado, apontando para uma touceira espessa; outro caçador, este uma figura mais apagada, também espreitava a caça. “Teria sido uma personagem da tapeçaria? Mas qual? O caçador em primeiro plano? O outro?” Tão viva é a gravura, que ele pressente o arquejar da caça escondida. Talvez tivesse sido o pintor da tapeçaria, “mas se detesto caçadas! Por quê tenho de estar aí dentro?” Saindo da loja, a imagem não desaparece. Ao dormir, sonha com a tapeçaria, ele entrelaçado à paisagem. Apalpa o rosto, procurando a barba do primeiro caçador, mas ao invés disso, sente a viscosidade do sangue, e acorda com um grito. Na manhã seguinte, volta à loja. Ao defrontar-se com a tapeçaria, vê a loja sumindo e a tapeçaria se alastrando pelo chão, até tomá-lo por inteiro. Agora estava dentro da tapeçaria. Era importante correr. Era a caça? O caçador? “Gritou e mergulhou em uma touceira. Ouviu o assovio da seta varando a folhagem, a dor! “Não ... - gemeu de joelhos. Tentou ainda agarrar-se à tapeçaria. E rolou encolhido, as mãos apertando o coração”. Lygia Fagundes Teles é uma contista que prima por trabalhar o aspecto psicológico em suas obras. A angústia do personagem criado pela autora pode ser interpretada como a angústia despertada pela busca de si mesmo, processo que pode fazer com que o homem passe da situação de caça à de caçador em um instante.

Narrador: 3ª pessoa
Tempo: O tempo da história abrange um período de dois dias. No primeiro dia, o homem vai à loja de antigüidades.

6 - Luiz Vilela (1942 - ) Morou em São Paulo, onde foi jornalista do Jornal da Tarde,passando a publicar seus trabalhos literários. Correu o mundo, viajou pela Europa, foi convidado a lecionar nos Estados Unidos e para ser jurado do Prêmio Casa de las Américas, em Cuba. Já há vários estudos sobre suas obras nas universidades brasileiras, com alguns trabalhos também no exterior.
É considerado um dos melhores contistas da atualidade, e depois de alguns períodos morando em São Paulo, nos EUA e na Espanha, vive atualmente em sua cidade natal. Característica marcante no estilo de Luiz Vilela é a arte difícil de expressar com economia de palavras o que transita entre as pessoas, atrás do óbvio, do aparente. Segue a tendência mineira de evitar excessos. Cria, em atmosferas densas, situações em que o leitor recebe através de um código sutil. As palavras como um gesto leve, quase um olhar, brotam espontâneas.
 
 Luz Sob a Porta

Nélson está com alguns amigos bebendo chopp em uma festa. Preocupado com as horas, decide ir-se. É o aniversário de sua mãe e já são onze e vinte. É com muita dificuldade que à consegue desvencilhar-se dos amigos, e ao chegar a casa de sua mãe já são cinco para a meia-noite. “Havia luz sob a porta, ela estava esperando-o”. A recepção é triste. A mãe reclama da idade e do esquecimento a que foi relegada. Fala-lhe do medo que tinha que ele não viesse. Desculpando-se por não haver trazido um presente, Nélson consola a mãe que chora. Todo o conto é desenvolvido através de diálogos. A economia do autor é expressa de forma a criar situações nas quais o diálogo seja suficiente para evocar o almejado. Assim, à futilidade dos diálogos entre os amigos do bar ( “Imaginem só: me deu a maior cantada!” - Kafka? Estou lendo. O processo.”) sobrepõe-se a densidade do diálogo entre mãe e filho ( “Quer dizer que a senhora passou o dia sozinha?” - “Passei, mas não teve importância; arrumei uma costurinha pra fazer.”). Ao mesmo tempo que explicita a dramaticidade do relato, esta estratégia também coloca o trabalho com a linguagem em um plano privilegiado.

Narrador: observador, em 3ª pessoa, não participa da história.
Tempo: O tempo é curto e cronológico. 
Espaço: A história se passa na casa de amigos (Maria) e na casa da mãe do protagonista (Nélson).
Personagens:  Nélson, amigos de Nélson (Toninho, Guido, Maria) e a mãe de Nélson.

 
7 - Marina Colasanti ( 1938 - ) Nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Marina apresenta em sua obra a marca da diversidade, entre contos, poesias, produções em prosa, literatura infanto-juvenil. Sua primeira publicação infantil foi o livro de contos Uma Idéia toda Azul, de 1979, que logo conquistou o prêmio O Melhor para o Jovem, concedido pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.

A Moça tecelã

 A cada amanhecer, a moça, com seu tear, passava os dias tecendo. “Linha clara para começar o dia.(...) Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava”.
Com o passar do tempo, sentindo-se sozinha, pensa que seria bom ter um marido a seu lado. “Com capricho de quem tenta uma coisa desconhecida” ela vai tecendo sua companhia. Ao fim do trabalho, batem a sua porta: “Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando na sua vida”.
Aos poucos, a moça vai tecendo a casa, que não basta ao marido. Ele agora quer um palácio, que toma meses de trabalho da tecelã. Na torre mais alta deste palácio fica a moça trabalhando, e com o passar do tempo, sente-se sozinha, tecendo as riquezas que o marido exige. Uma noite, enquanto o marido dorme, ela levanta-se e desmancha todo o tapete, tornando a sua solidão. Note-se que a autora coloca nas mãos da moça tecelã o poder de começar e romper a relação. É ela que “tece” o marido e engendra o meio familiar. Mas também é ela que “tece a própria solidão”. Tendo o universo feminino como fonte, Marina Colasanti desvela a alma da mulher que prefere, a uma relação que a subjuga, a antiga solidão.
Narrador: 3ª pessoa
Espaço: Casa da moça tecelã, onde ela borda.
Tempo: O tempo não é cronológico, é psicológico, onde a moça observa dias de sol, dias de chuva, noite...
Personagens: Moça tecelã: uma moça que possui uma vida monótona que, a princípio, contenta-se com o fato de estar o tempo inteiro tecendo. Podem-se observar também suas preferências pelas coisas simples e pela natureza.
Marido: foi imaginado e tecido pela moça tecelã, que o criou para ser seu esposo e para lhe fazer companhia num dado momento da vida em que se sentia sozinha. Suas principais características são o apego às coisas materiais e a obsessão por luxo e conforto, o oposto da protagonista do conto.


8 - Moacyr Scliar ( 1937 – 2011)
. Formado em medicina, trabalhou como médico especialista em saúde pública e professor universitário. Sua prolífica obra consiste de crônicas, contos, romances, ensaios e literatura infanto- juvenil. Seu estilo leve e irônico lhe garantiu um público bastante amplo de leitores, e em 2003 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, tendo recebido antes uma grande quantidade de prêmios literários como o Jabuti (1988, 1993 e 2009), o Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) (1989) e o Casa de las Américas (1989). Suas obras frequentemente abordam a imigração judaica no Brasil, mas também tratam de temas como o socialismo, a medicina (área de sua formação), a vida de classe média e vários outros assuntos. O autor já teve obras suas traduzidas para doze idiomas.
 
No retiro da Figueira

 Angustiada com a violência da cidade, uma família recebe pelo correio o prospecto de um condomínio fechado chamado Retiro da Figueira, “um dos últimos lugares onde você pode ouvir um bem-te-vi cantar”. Holofotes, cerca eletrificada, vigilantes, sistema de alarmes, tudo remetia à idéia de segurança absoluta. A família mudou-se, e uma das primeiras exigências do chefe dos vigilantes foi uma lista de parentes e amigos dos moradores, “questão de segurança, para qualquer emergência”. Uma segunda-feira, soa a sirene de emergência, e todos reúnem-se no salão de festas, onde são informados que a fuga de alguns presidiários impossibilitará a saída dos moradores do condomínio; “questão de segurança” informa-lhes o chefe dos vigilantes. Quatro dias depois, o condomínio cercado, desce um jatinho no aeroporto do condomínio e uma mala cheia de dinheiro é entregue ao chefe de segurança, que decola com o dinheiro, acompanhado de sua equipe. “Nunca mais vimos o chefe e seus homens, mas estou certo que estão gozando o dinheiro pago por nosso resgate”. O isolamento a que se sujeita o homem que se cerca é tratado ironicamente pelo autor gaúcho. As cercas que tornam o espaço seguro, também distanciam o homem, e o absurdo da situação torna ainda mais cômico um final inesperado: aqueles responsáveis pela segurança tornam-se os algozes dos que preferiram o ambiente cercado.

Narrador: personagem.
Espaço: O espaço privilegiado no conto é o condomínio, mas este não é o único lugar onde acontecem os fatos narrados.
Tempo: Cronológico ou linear, visto que os acontecimentos ocorrem numa sucessão de fatos ordenados em uma ordem lógica e cronológica.
Personagens: As personagens são identificadas sem uma definição especifica, mas algumas características são ditas ao longo do conto
Narrador: recentemente promovido no trabalho, mudou-se para o Retiro da Figueira em busca de segurança, mas desde o inicio achou que havia algo errado com o lugar, pois era muito perfeito.
Mulher: assustada com a onda de violência no seu bairro, decide que devem se mudar.  Encanta-se pelo Recanto por esse possuir um forte sistema de segurança.
Filhos: citados apenas para ressaltar o poder de atração exercido pelo Recanto sobre os visitantes.
Chefe dos guardas: formado em direito, é inteligente e conquista rapidamente a confiança e respeito de todos devido sua simpatia e educação.

 
9 - Murilo Rubião ( 1916 – 1991) Nasceu em Carmo de Minas. Fez seus primeiros estudos em Conceição do Rio Verde e conclui-os depois em Belo Horizonte. Ingressou na Faculdade de Direito, formando-se em 1942. O jornalismo sempre o seduziu, tornou-se redator da Folha de Minas e diretor da Rádio Inconfidência. Em 1947, lançou seu primeiro livro de contos, O ex-mágico, que não teve maior repercussão na época. A partir de então, ingressou no mundo da política, sempre como assessor. Em 1951, ocupou a função de chefe de gabinete do governador Juscelino Kubitschek. Entre 1956 e 1961, exerceu o cargo de adido cultural do Brasil na Espanha. Em 1966 foi designado para organizar o Suplemento Literário do Diário Oficial Minas Gerais, que se tornou um dos melhores órgãos de imprensa cultural já surgidos no país. A obra de Murilo Rubião, um dos maiores representantes da Literatura Fantástica brasileira, é permeada por um toque religioso claramente perceptível aos olhos do leitor, que sempre se depara com uma epígrafe bíblica no início de cada conto. Como afirma Schwartz (1983), a religiosidade aflora veementemente no conto Botão-de-Rosa, publicado na obra “O convidado”, que também é um belo modelo de texto literário crítico e fantástico.
Botão-de Rosa

 Numa segunda-feira de março, todas as mulheres da cidade amanhecem grávidas, e o músico Botão-de-Rosa é acusado. Ouve a chegada da multidão: “vinham pegá-lo”. Ao sair à janela para deixar clara sua intenção de entregar-se é apedrejado. Escoltado, segue até a prisão onde José Inácio é designado seu defensor. Todo o processo, repleto de falhas é analisado, e a resignação do acusado, negando-se a declarar sua inocência, colocam o advogado em uma situação delicada.
À acusação de sevícia, soma-se a de tráfico de entorpecentes, e Botão-de-Rosa continua impassível, enquanto José Inácio, pressionado pelo povo da cidade, tem uma atuação medíocre na defesa, o que colabora para a sentença de morte do acusado. A produção de Murilo Rubião caracteriza-se pela exploração de um recurso desenvolvido por diversos autores latino-americanos: o Realismo-Mágico. Botão-de-Rosa abre mão da oportunidade de defender-se por saber-se condenado de antemão. Sua situação marginal (músico em uma cidade pequena) é que sofre a condenação. A atitude adotada pelo advogado José Inácio cristaliza esta situação. Sua atuação é medíocre por que entre indispor-se com as autoridades comprometendo seu futuro e permitir a condenação do músico, escolhe a segunda alternativa.

Narradoronisciente (3ª pessoa)
Tempocronológico
Personagens:
 Botão-de-rosa, José Inácio (o advogado), o delegado e os membros do tribunal;

 
10 - Osman Lins ( 1924 – 1978) foi um escritor brasileiro. Natural de Pernambuco, é autor de contos, romances, narrativas, livro de viagens e peças de teatro. Lisbela e o Prisioneiro (1964) virou especial na rede Globo, com os atores Diogo Vilela e Giulia Gam, sendo depois adaptado por Guel Arraes para o cinema, com Selton Mello e Débora Falabella. Renovador de estrutura, linguagem, temas e conceitos literários, Osman Lins, de forma muito particular , trabalha com o tempo, os sons, o espaço e o foco narrativo. 

Noivado

A narrativa Noivado descreve a relação longa e infeliz entre Giselda e Mendonça, noivos há vinte e oito anos, que toca em questões familiares ao homem moderno, como a alienação e o isolamento humanos. Sendo o Mendonça um burocrata recém-aposentado que, dias antes de deixar a repartição publica, se depara com o primeiro problema “mais ou menos vivo” em 30 anos de carreira: uma invasão de insetos, que vêm não se sabe de onde vem e rompem a vidraça do prédio. Giselda é a velha que guarda o romantismo da juventude e a esperança de que o rompimento do noivado signifique, enfim, seu resgate. O “noivado” entre os personagens pode ser lido como metáfora de um noivado do próprio homem com seu destino, como um espaço de tempo no qual buscamos nos fazer a nós mesmos

Narrador: narrador-personagem;
Tempo: Cronológico
Personagens: Mendonça e Giselda;

 
11 - Ricardo Ramos ( 1929 – 1992) nasceu em Palmeira dos Índios, em 1929, ano em que o pai Graciliano Ramos exercia a função de prefeito. Formado em Direito, destacou-se como homem da propaganda, professor de comunicação, jornalista e escritor em São Paulo. Sua obra literária é extensa: contos, romances e novelas, e  representa, com destaque, a prosa contemporânea da literatura brasileira. O autor ressaltava a importância de ser íntimo do personagem, de conhecer a sua verdade. Considerava que era apenas um intérprete da vida que vivia e do mundo que compreendia - inventava um pouco, mas com base na realidade. As referências pré-conscientes da conduta cotidiana constituem a fonte para elaboração dos seus textos literários. Os contos da obra Circuito Fechado surpreendem desde o primeiro, quando a narrativa é composta somente por substantivos e retratam, sem a presença de sujeitos, ações ou adjetivos, fielmente o cotidiano.

Circuito Fechado

Circuito Fechado - 1 : Trabalhando exclusivamente com substantivos (Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água.) Ricardo Ramos foca o despertar do homem no ambiente urbano completamente tomado pela rotina. Preso ao relógio, este homem não consegue romper o circuito, que fecha-se com a volta aos chinelos: (Chinelo. Coberta, cama travesseiro.)

Circuito Fechado – 2: Fechado em sua “memória intermediária” (“não a de muito longe, nem a de ontem”), o personagem sente o desbotar que ocorre com o passar dos anos refletido no retrato. Vem dessa memória intermediária a sensação de perda. “Os dias, não as noites, são o que mais ficou perdido”.)

Circuito Fechado – 3: Em um monólogo apressado, no qual inferimos respostas monossilábicas de diversos interlocutores, o autor expõe o isolamento ao qual o personagem vai se sujeitando, na medida que aumenta sua insensibilidade. Tudo nos sugere uma distância intransponível, e os diálogos impessoais mantidos com secretárias e atendentes, repete-se com a esposa: “Vamos dormir? É, leia que é bom. Ainda agosto e esse calor. Me acorde cedo amanhã, viu?”.

Circuito Fechado – 4: Tematizando o sentimento de posse (“Ter, haver”) o autor demonstra como este sentimento de posse apropria-se do personagem, e como este, objeto dessa sensação, torna-se incapaz de fugir ao círculo vicioso. “Uma prisão que segura” e ao mesmo tempo evoca as diversas lembranças de infância, na qual não havia este tipo de preocupação.

Circuito Fechado – 5: Retornando à rotina evocada em Circuito Fechado - 1 - , o autor condensa o sentimento de impotência expresso nos outros episódios. Perceba-se o caráter pessimista desde o começo do texto, iniciado com uma negativa, “Não. Não foi o belo” . Aos poucos, aprofundando-se em muitas outras negativas, o texto nos suscita a sensação da perda absoluta de concretude, de inversão total de valores, culminando com a constatação do erro de avaliação na inversão desses valores: “Não foi sempre, nem faltou, foi mais às vezes. Não foi o que, foi como e onde, e quando. Não, não foi.

Narrador: Todos os tipos de narrador adequam-se.
Espaço: C
asa, trabalho e restaurante.

Tempo: A estória toda acontece no intervalo de um dia, seguindo uma ordem cronológica de fatos.
Personagens: A única personagem do conto é um homem comum, cuja maior marca é a rotina constante e imutável.

12 - Sérgio Sant’Anna ( 1941 - ) Nasceu no Rio de Janeiro, em 1941. Iniciou sua carreira de escritor em 1969, com os contos de O sobrevivente, livro que o levou a participar do International Writing Program da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos. Teve obras traduzidas para o alemão e o italiano e adaptadas para o cinema.. Recebeu quatro vezes o prêmio Jabuti, a mais recente pelos contos de O voo da madrugada (2003), que recebeu também o prêmio APCA e o segundo lugar no prêmio Portugal Telecom de literatura. Às vezes lembra Picasso: objetos desarrumados.  Seu estilo é feito do moderno, do trágico, do inesperado.

Composição II

 Uma Sala. Descrevendo a sala (paredes, mesa, sofá, gramofone e televisão, na qual a imagem de uma moça anunciando uma televisão idêntica repete-se infinitamente), um homem albino sentado na sala em posição de ioga segura uma guitarra elétrica, “apontada para o observador como se fosse uma metralhadora (...) mas da ponta da metralhadora - ou guitarra - saem balas de confeitaria e escorre, fracamente, um líquido amarelado”. Duas mãos rompem o papel celofane que envolve toda a cena, retirando um disco e colocando-o em um toca-discos em uma outra sala, nova e bem organizada. “Desliga-se a televisão e apaga-se a luz”. E ouve-se a letra da canção: “Estou farto de tudo e vou tomar o ônibus vinte e sete e viajar para outra galáxia”. Como uma cena, o universo do artista impassível é maculado pela mão que rompe o celofane para ouvir a música do disco. É importante perceber os dois ambientes (uma sala desarrumada coberta por papel celofane na qual o guitarrista medita e a outra, extremamente organizada na qual o disco será reproduzido),como que ilustrando dois ambientes diversos e incomunicáveis.
Tempo: Psicológico 
Narrador: Observador
Espaço: Se passa em uma casa qualquer


13 - Sílvio Fiorani ( 1943 - ) Nasceu em São Paulo. Mestre em criar situações estranhas, apresentando-as como muito naturais, Fiorani diversifica seus temas entre o cotidiano mágico e a saga de imigrantes italianos, seus ancestrais, o que tece com severidade e grandeza.

 Nunca é Tarde, Sempre é Tarde

 Su acorda-se e maquia-se para o trabalho. Olha-se apressadamente no espelho, não se preocupando com beleza, “Beleza é pra fim de semana”. Ao colocar a mão na maçaneta, ouve o ruído da campainha de seu relógio Westclox, “e se deu conta de que sequer havia-se levantado. Tudo por fazer”. Repete os mesmos gestos mecanicamente, e a situação torna a acontecer: novo despertar com a campainha do relógio. Decide apelar para a mãe que, “envolta pelos vapores da cozinha”, promete à filha acordá-la. Submetida à rotina que torna todos seus gestos automáticos, Su necessita de alguém que a desperte. É importante perceber que o auxílio de outra pessoa é necessário para “acordar” a personagem de um sonho que teima em acontecer e que a desgasta.

Narrador: Narrador observador.
Espaço: Casa da Su.
Tempo: O tempo é cronológico, no qual ela sonha, acorda...
Personagens: Su: uma secretária que possui uma vida corrida, devido aos diversos afazeres destinados a ela no trabalho. Mãe de Su: uma dona de casa.

 

TEMAS: análise psicológica

              conflito moral

              fantástico

              relações familiares

              mistério

              crítica social

domingo, 2 de setembro de 2012

UFRN 2013 - CAPITÃES DA AREIA


CAPITÃES DA AREIA

Jorge Amado

“Apenas um baiano romântico e

sensual”

AUTOR: Jorge Amado nasceu na fazenda Auricídia, em Ferradas, município de Itabuna. Filho do "coronel" João Amado de Faria e de Eulália Leal Amado, foi com apenas um ano para Ilhéus, onde passou a infância. Mudou-se para Salvador, onde passou a adolescência e entrou em contato com muitos dos tipos populares que marcaria sua obra. Aos 14 anos, começou a participar da vida literária de Salvador, sendo um dos fundadores da Academia dos Rebeldes, grupo de jovens que (juntamente com os do Arco & Flecha e do Samba) desempenhou importante papel na renovação das letras baianas. Entre 1927 e 1929, foi repórter no "Diário da Bahia", época em que também escreveu na revista literária "A Luva".
Estreou na literatura em 1930, com a publicação (por uma editora carioca) da novela "Lenita", escrita em colaboração com Dias da Costa e Édison Carneiro. Seus primeiros romances foram "O País do Carnaval" (1931), "Cacau" (1933) e "Suor" (1934). Jorge Amado bacharelou-se em ciências jurídicas e sociais na Faculdade de Direito no Rio de Janeiro (1935), mas nunca exerceu a profissão de advogado. Em 1939, foi redator-chefe da revista "Dom Casmurro". De 1935 a 1944, escreveu os romances "Jubiabá", "Mar Morto", "Capitães da Areia", "Terras do Sem-Fim" e "São Jorge dos Ilhéus".
Em parte devido ao exílio no regime getulista, Jorge Amado viajou pelo mundo e viveu na Argentina e no Uruguai (1941-2) e, depois, em Paris (1948-50) e em Praga (1951-2). Voltando para o Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, redigiu a seção "Hora da Guerra", no jornal "O Imparcial" (1943-4). Mudando-se para São Paulo, dirigiu o diário "Hoje" (1945). Anos depois, no Rio, participou da direção do semanário "Para Todos" (1956-8). Em 1945, foi eleito deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro, por São Paulo, tendo participado da Assembléia Constituinte de 1946 e da primeira Câmara Federal posterior ao Estado Novo. Nessa condição, foi responsável por várias leis que beneficiaram a cultura. De 1946 a 1958, escreveu "Seara Vermelha", "Os Subterrâneos da Liberdade" e "Gabriela, Cravo e Canela". Em abril de 1961, foi eleito para a cadeira número 23 da Academia Brasileira de Letras (sucedendo Otávio Mangabeira). Na década de 1960, lançou as obras "Os Velhos Marinheiros" (que compreende duas novelas, das quais a mais famosa é "A morte e a morte de Quincas Berro d'Água"), "Os Pastores da Noite", "Dona Flor e Seus Dois Maridos" e "Tenda dos milagres". Nos anos 1970, vieram "Teresa Batista Cansada de Guerra", "Tieta do Agreste" e "Farda, Fardão, Camisola de Dormir". Suas obras foram traduzidas para 48 idiomas. Muitas se viram adaptados para o cinema, o teatro, o rádio, a televisão e até as histórias em quadrinhos, não só no Brasil, mas também em Portugal,  França, Argentina,  Suécia,Alemanha,   Polônia,  Thecoslováquia (atual República Tcheca), Itália e EUA. Seus últimos livros foram "Tocaia Grande" (1984), "O Sumiço da Santa" (1988) e "A Descoberta da América pelos Turcos" (1994). Além de romances, escreveu contos, poesias, biografias, peças de teatro, histórias infantis e até um guia de viagem. Jorge Amado morreu perto de completar 89 anos, em Salvador. A seu pedido, foi cremado, e as cinzas, colocadas ao pé de uma mangueira em sua casa.

O REGIONALISMO DE 30: A prosa de ficção dos anos 30 deu continuidade ao projeto dos primeiros modernistas, a chamada fase heróica, de 1922, de aprofundamento nos problemas brasileiros através de uma literatura regionalista, de caráter neorrealista, preocupada em apresentar os problemas e as desigualdades sociais do Brasil. Prevalece uma narrativa direta, sem as ousadias formais dos romances de Oswald de Andrade, como Memórias Sentimentais de João Miramar, ou do Macunaíma de Mário de Andrade.

LINGUAGEM: Os regionalistas de 30, como Jorge Amado, Graciliano Ramos e José Lins do Rego, enfatizam, assim como o modernismo inicial, o uso da linguagem coloquial, popular, na obra de arte literária. Mas há uma diferença fundamental. Enquanto os modernistas de 22 procuravam "escrever errado", reproduzindo as incorreções gramaticais da fala popular de maneira programática na linguagem literária, os regionalistas de 30, já livres das convenções da linguagem parnasiana acadêmica, escrevem com simplicidade. Jorge Amado pertence, como já vimos, à geração dos autores de 30, afeitos a uma linguagem coloquial, despojada e popular. Em Capitães da Areia, ele repete essa fórmula: abusa dos coloquialismos tanto nas falas de personagens quanto na fala do próprio narrador, seja em seus desvios sintáticos, seja na incorporação de palavras e expressões popularescas, regionais, diatópicas.

A OBRA: Capitães da Areia foi publicado em 1937, pertencendo ao primeiro momento do autor. O cenário escolhido é o urbano. Centrando a ação na vida dos menores abandonados da cidade de Salvador, o escritor aproveita para mostrar as brutais diferenças de classe, e má distribuição de renda e os efeitos da marginalidade nas crianças e adolescentes discriminados por um sistema social perverso. Capitães da areia narra o cotidiano de pobres crianças que vivem num velho trapiche abandonado. Liderados por Pedro Bala, menino corajoso, filho de um grevista morto, entregam-se a pequenos furtos para sobreviver. A narrativa, de cunho realista, descreve o cotidiano do grupo e seus expedientes para arranjar alimento e dinheiro. Intercalando a narrativa com reportagens sobre o grupo dos “Capitães da Areia”, o romance supervaloriza a humanidade das crianças e ironiza a ganância , o egoísmo das classes dominantes. Conduzindo a história em função dos destinos individuais de cada participante do bando, Jorge Amado acaba por ilustrar, de um lado, a marginalização definitiva de uns (o Sem-Pernas e o Volta Seca, por exemplo), e, de outro, a tomada de consciência dos mais lúcidos (Pedro Bala).

 O romance está dividido em três partes:

*1a parte - “Sob a lua, num velho trapiche abandonado”. É a apresentação do romance e dos personagens principais, formada de 11 capítulos.

Pedro Bala, o líder, de longos cabelos loiros e uma cicatriz no rosto, uma espécie de pai para os garotos, mesmo sendo tão jovem quanto os outros, que depois descobre ser filho de um líder sindical morto durante uma greve;
Volta Seca, afilhado de Lampião, que tem ódio das autoridades e o desejo de se tornar cangaceiro;
Professor, que lê e desenha vorazmente, sendo muito talentoso;
Gato, que com seu jeito malandro acaba conquistando uma prostituta, Dalva;
Sem- Pernas, o garoto coxo que serve de espião se fingindo de órfão desamparado (e numa das casas que vai é bem
       acolhido, mas trai a família ainda assim, mesmo sem querer fazê-lo de verdade);
João Grande, o "negro bom" como diz Pedro Bala, segundo em comando;
Querido- de- Deus, um capoeirista amigo do grupo, que dá algumas aulas de capoeira para Pedro Bala, João Grande e Gato;
Pirulito, que tem grande fervor religioso.

O apogeu da primeira parte é dividido em:

·  quando os meninos se envolvem com um carrossel mambembe que chegou na cidade, e exercendo sua meninez;

·  quando a varíola ataca a cidade, matando um deles, mesmo com Padre José Pedro tentando ajudá-los e se indo contra a lei por isso.

*2a parte - “Noite da grande paz, da grande paz de teus olhos”. Prioriza a personagem (Pedro Bala) e a sua descoberta do amor, formada de 08 capítulos.

Surge uma história de amor quando a menina Dora torna-se a primeira "Capitã da Areia", e mesmo que inicialmente os garotos tentem tomá-la a força, ela se torna como mãe e irmã para todos. O homossexualismo é comum no grupo, mesmo que em dado momento Pedro Bala tente impedi-lo de continuar, e todos eles costumam "derrubar negrinhas" na orla. Professor e Pedro bala se apaixonam por ela, e Dora se apaixona por Pedro Bala. Quando Pedro e ela são capturados (ela em pouco tempo passa a roubar como um dos meninos), eles são muito castigados, respectivamente no Reformatório e no Orfanato. Quando escapam, muito enfraquecidos, se amam pela primeira vez na praia e ela morre, marcando o começo do fim para os principais membros do grupo.

*3aparte- “Canção da Bahia, canção da liberdade”. Aborda o destino das personagens, formada de 08 capítulos.

Sem-Pernas se mata antes de ser capturado pela polícia que odeia;
Professor parte para o Rio de Janeiro para se tornar um pintor de sucesso, entristecido com a morte de Dora;
Gato se torna uma malandro de verdade, abandonando eventualmente sua amante Dalva, e passando por ilhéus;
Pirulito se torna frade;
Padre José Pedro finalmente consegue uma paróquia no interior, e vai para lá ajudar os desgarrados do rebanho do Sertão;
Volta Seca se torna um cangaceiro do grupo de Lampião e mata mais de 60 soldados antes de ser capturado e condenado;
João Grande torna-se marinheiro;
Querido-de-Deus continua sua vida de capoeirista e malandro; Pedro Bala, cada vez mais fascinado com as histórias de seu pai sindicalista, vai se envolvendo com os doqueiros e finalmente os Capitães de Areia ajudam numa greve. Pedro Bala abandona a liderança do grupo, mas antes os transforma numa espécie de grupo de choque. Assim Pedro Bala deixa de ser o líder dos Capitães de Areia e se torna um líder revolucionário comunista

NARRADOR
De terceira pessoa, apresentando onisciência em várias passagens. Toda a ação é narrada depois de ter acontecido. Isto explica alguns momentos em que o narrador antecipa o futuro dos personagens para o leitor.

TEMPO
É cronológico. Embora indeterminado, a narrativa se dá na primeira metade do século XX, com a presença de flash-back.

ESPAÇO
Espaço urbano da cidade da Bahia. Da primeira fase de Jorge Amado, este romance é um dos poucos da primeira fase que escolhe o meio urbano em detrimento do rural. Este espaço é utilizado para mostras as discrepâncias sociais de Salvador (por extensão, o Brasil urbano)