sexta-feira, 25 de novembro de 2011

UEPB 2012 - CONTOS NEGREIROS



CONTOS NEGREIROS – Marcelino Freire
“O caba mal começa,acabou-se.”
Gênero: Narrativo
Estilo: Contos - Contemporaneidade

AUTOR: Marcelino Juvêncio Freire (Sertânia PE 1967). Contista. Com a família muda-se, em 1969, para Paulo Afonso, Bahia, onde permanece por seis anos, até radicar-se no Recife. Nessa época, por influência de uma professora, começa a fazer teatro. Em 1981, escreve os primeiros textos do gênero. Nos oito anos seguintes trabalha como bancário e inicia o curso de letras na Universidade Católica de Pernambuco, mas não o conclui. Após abandonar o emprego, em 1989,  freqüenta a oficina literária do escritor Raimundo Carrero (1947). Dois anos depois, premiado pelo governo do Estado de Pernambuco, decide mudar-se para São Paulo, e publica, de forma independente, seus dois primeiros livros: AcRústico, 1995 e EraOdito, 1998. Em 2000, o crítico João Alexandre Barbosa (1937 - 2006) indica-o ao Ateliê Editorial, que publica o livro de contos Angu de Sangue. Marcelino Freire é também conhecido por sua atuação como agitador cultural. Livros publicados: AcRústico; EraOdito; Angu de Sangue; BaléRalé; Contos Negreiros; Rasif - Mar que Arrebenta; Amar é crime.

OBRA: Na obra Contos Negreiros a paisagem urbana é o cenário principal de seus cantos (contos). Algumas paisagens de importantes centros urbanos, como Recife e São Paulo, como as zonas de prostituição, morros, favelas e pontos turísticos, tornam-se palcos para a exposição de uma realidade complexa e miserável, vivida por prostitutas, “bichas”, negros, índios, além de abrigar traficantes de órgãos e de drogas, e turistas sexuais. Marcelino Freire apresenta 16 narrativas (contos e crônicas) que procuram aproximar-se de uma linguagem coloquial, memorial e, às vezes, musical, baseada nas influências deixadas pela oralidade das ladainhas e canções nordestinas. Ele escreve a partir do ponto de vista de brasileiros miseráveis ou mortos-vivos, que, como “zumbis”, vendem de tudo para sobreviver: drogas, o corpo, o rim. Sua criação literária passa pela valorização da memória, oriunda das heranças culturais – a cultura popular nordestina – e a percepção de um tempo presente. As experiências ocorridas no dia-a-dia das metrópoles brasileiras apresentam testemunhos de sujeitos que estão à margem da sociedade contemporânea. Sujeitos sem voz, sem espaços para o testemunho, vistos quase como objetos ou tratados como objetos pela mídia e por toda sociedade.
Nos Contos Negreiros, são narrados acontecimentos comuns à vida de sujeitos comuns. Fatos do dia-a-dia narrados por seus protagonistas, aqueles que sempre têm suas vozes emudecidas pelos próprios acontecimentos dos quais são autores. Para tanto, Freire utiliza-se, como já citado, da oralidade, da memória, ora do relato objetivo, ora do relato subjetivo, para desenvolver testemunhos que não visam formar uma identidade, mas apresentar as condições extremas vividas em plena contemporaneidade.

TEMÁTICA:

·         Racismo
·         Turismo sexual
·         Tráfico de órgãos
·         Homossexualismo
·         Pedofilia
·         Violência urbana
·         Miséria

CARACTERÍSTICA:

·         Linguagem coloquial
·         Pontuação imaginária
·         Ironia
·         Secura
·         Rimas fáceis
·         Jogos de palavras
·         Trocadilhos

RESUMO:


1 – SOLAR DOS PRÍNCIPES: Narra a história de cinco negros que descem o morro para fazer um documentário sobre a classe média. Apossados de instrumentos praticamente inacessíveis a eles – equipamento de produção cinematográfica –, tentam produzir um filme sobre o cotidiano da classe média e são barrados pelo porteiro. Também negro, o porteiro tem um posicionamento "fora do lugar": trabalhando para pessoas abastadas, ele toma partido, nessa cena inusitada, de seus patrões. É como um feitor ou capitão do mato, no período escravocrata. Absorve uma postura de embate – tipicamente a da classe média atual, tão aterrorizada pela violência urbana – e rechaça seus pares.

2 – CORAÇÃO: Aqui a voz que escutamos é a de um travesti prostituído, que masturba homens no metrô. Ainda rara, e bastante discutível, a presença gay na literatura brasileira pauta-se ou pelo estereótipo acrítico ou pelo cuidado insistente na construção, em resposta aos movimentos organizados. Isso não acontece em Contos negreiros. O narrador de "Coração" não levanta bandeiras, não pede respeito, não reclama de sua miséria. Desconcerto: o narrador personagem tem densidade. Não é apenas uma presença gay, mas uma voz ativa, que é vítima, mas que também faz escolhas, pensa a sua realidade, vive, sobrevive, flutua, sofre e morre de prazer.

3 – TOTONHA: Nesse canto o autor desmonta o leitor erudito. Mais uma vez, as nossas restritas concepções e verdades absolutas e universais sofrem abalo. Totonha, a personagem, é uma velha senhora, que, com seu discurso trocado, ao contrário, nos desperta: ela não quer aprender a ler. A sua negra realidade é tão natural, apartada do mundo cultural – restrito aos alguns que o pensam e o consomem –, que não lhe servem a leitura e a escrita. "Capim sabe ler? Escrever? Já viu cachorro letrado, cintenífico? Já viu juízo de valor? Em quê? Não quero aprender, dispenso" (p. 79).

4 – NAÇÃO ZUMBI: Apresenta a história de um personagem sem nome, que estava prestes a fechar um negócio: a venda do próprio rim para traficantes de órgãos. O personagem narra com indignação e frustração a interrupção da compra, a impossibilidade do fechamento do negócio. A polícia descobre a trama e o desfecho da história é a afirmação: “sei que vão encher meu rim de soco”. Ele acreditava que a venda do seu órgão era uma forma de mudar de vida, de “livrar sua barriga da miséria”. O texto mostra a pobreza, o comércio ilegal, o corpo como moeda, como pode ser lido na seguinte passagem do conto:
“E o rim não é meu? Logo eu que ia ganhar dez mil, ia ganhar. Tinha até marcado uma feijoada pra quando eu voltar, uma feijoada. E roda de samba pra gente rodar (..) E o rim não é meu, sarava?Quem me deu não foi Aquele-lá-de-cima, Meu Deus,

Jesus e Oxalá? (...) O esquema é bacana. Os caras chegam aqui levam a gente para Luanda ou Pretória. (...) Puta oportunidade só uma vez na vida (...)”
.

5 – LINHA DE TIRO: A conversa é um assalto em que a mulher acha que o assaltante lhe quer vender chocolates. Serve para mostrar a infinidade de mal-entendidos que é esta nação, pois nem o assaltante se consegue fazer entender: diante da ameaça não há pânico, apenas estranhamento, como se cada um falasse uma língua diversa e nem mesmo o gestual tivesse um significado: "É um assalto! Não, obrigado, hoje não vou querer chocolates". É um texto rico para pensarmos a dificuldade histórica que o Brasil tem de elaborar um discurso constitutivo, em que todos falem um idioma comum em prol da construção de algo duradouro e consistente.

6 – YAMANI: Trata de um assunto quase ignorado na nossa prosa: o turismo sexual e a exploração de crianças prostituídas. Um turista, ao viajar pela Amazônia, deixa claro sua aversão ao Brasil e suas florestas, mas, ao mesmo tempo, narra seu desejo por uma criança indígena (prostituta), como é possível observar neste trecho: “E os índios? O que tem os índios? O que você achou dos índios do Brasil? Fodam-se os índios do Brasil. Toquem fogo na floresta. Vão à merda (...) Só lembro de Yamami. Sempre gostei de crianças. Aqui é proibido. Yamami, meu tesouro perdido (...) Indiazinha típica dos seus trezes anos. As unhas pintadas, descalçadas. Tintas extintas na cara.  Coisinha de árvore (...)”.“Lá posso colocar Yamami no colo e ninguém me enche o saco. E ninguém fica me policiando. Governo me recriminando”.
7 - TRABALHADORES DO BRASIL: o autor refere-se aos homens e mulheres que se esforçam todos os dias em subempregos para sobreviver. As personagens desse canto recebem os nomes de alguns Orixás e de referências africanas e afro-brasileiras: Olorô-quê, Zumbi, Tição, Obatalá, Olorum, Ossonhe, Rainha Quelé, Sambongo. O narrador interpela diretamente o leitor com a pergunta ao final de cada parágrafo: “(...) tá me ouvindo bem?”. Sem nenhuma pontuação, o texto explode em uma crítica indignada aos “pré-conceitos” relacionados aos negros, mais direta no primeiro e nos últimos parágrafos: “(...) ninguém vive aqui com a bunda preta pra cima tá me ouvindo bem?” e “Hein seu branco safado? Ninguém aqui é escravo de ninguém”.

8 – ESQUECE: define o que é violência aos olhos de um excluído social, que representa tantos outros. Também marcado pela falta de pontuação, o conto é um “desafogo” diante das notícias freqüentes sobre o tema, veiculadas intensamente nos jornais e na televisão, através da lente das classes média e alta. Nesse conto, a vítima está do outro lado, quase sempre esquecida: “Violência é a gente receber tapa na cara e na bunda quando socam a gente naquela cela imunda cheia de gente e mais gente e mais gente e mais gente pensando como seria bom ter um carrão do ano e aquele relógio rolex mas isso fica para depois uma outra hora. Esquece”.

9 – ALEMÃES VÃO À GUERRA: A visão estrangeira da personagem alemã representa o senso comum: “Nosso dinheiro salvarria, porr exemplo, as negrrinhas do Haiti”. A personagem olha para o Haiti e para Salvador como lugares quentes e cheios de amor. Porém, é possível afirmar que a noção de “estrangeiro” ultrapassa a questão da fronteira e instala-se nas diferenças entre as classes sociais, o que aponta alguns olhares estrangeiros dentro de um país tão desigual como o Brasil.

10 – VANICLÉLIA:  personagem do conto homônimo, apanha do homem com quem vive e a quem chama de belzebu. Seu parâmetro de comparação são os “gringos”, que escolhem as mulheres no Calçadão de Boa Viagem: “Casar tinha futuro. Mesmo sabendo de umas que quebravam a cara. O gringo era covarde, levava pra ser escrava. Mas valia. Menos pior que essa vida de bosta arrependida”.

11 - CURSO SUPERIOR: um jovem expõe à mãe seu medo de entrar na faculdade e não conseguir concluir o curso, por diversos motivos: porque possui deficiência nas disciplinas, tem medo do preconceito, pode engravidar a loira gostosa da turma e não conseguir nenhum tipo de emprego, porque o policial vai olhá-lo de cara feia e ele vai fazer uma besteira. Seu fim seria a prisão, sem o privilégio da cela especial. Por meio desse discurso profético, o círculo vicioso do preconceito racial e social é tratado com ironia pelo autor.

12 - CADERNO DE TURISMO: foge um pouco da temática do livro, mas não deixa de ser polêmico: “Zé, olhe bem defronte: que horizonte você vê, que horizonte? Pensa que é fácil colocar nossos pés em Orlando?” (p.69).

13 e 14 - NOSSA RAINHA  e MEU NEGRO DE ESTIMAÇÃO: tratam, essencialmente, do embranquecimento do negro. O conflito entre o desejo da menina do morro de ser a Xuxa e a situação de pobreza em que se encontra faz com que sua mãe reflita sobre as diferenças sociais entre sua filha e a Rainha dos Baixinhos. A mídia, novamente, constrói um modelo que reforça o preconceito racial e social. A menina pode vir a ser a Rainha da Bateria, sonho mais próximo à sua realidade. “Meu negro de estimação” o narrador refere-se a seu negro de estimação como um homem melhor do que era: “Meu homem agora é um homem melhor. Mora nos jardins, veste calça. Causa inveja por onde passa. Meu homem não tem para ninguém, só para mim. Meu homem se chama Benjamin”.


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